quinta-feira, 12 de abril de 2012

O TORDO, A FLECHA E O BIG BROTHER

Por Demetrius Farias

Semana passada eu fui ao cinema com minha esposa, meu irmão e a namorada dele. Fomos assistir ao mais recente sucesso de bilheteria, baseado na obra homônima de Suzanne Collins (2008), Jogos Vorazes (The Hunger Games).

O filme foi dirigido por Gary Ross, mas sua adaptação e produção contaram com a participação da própria autora do livro. O filme é estrelado por Jennifer Lawrence (X-Men: Primeira Classe), Josh Hutcherson (Zathura: Uma Aventura Espacial) e Liam Hemsworth (PresságioA Última Música). Trata-se de uma aventura voltada para o público adolescente e jovem, recheada de ficção-científica, dramas pessoais e romance, mergulhada em uma distopia cruel, nunca vista no cinema - pelo menos eu acho.
A narrativa - tanto do livro como do filme - conta a história de uma adolescente de 16 anos, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), que vive com sua mãe, senhora Everdeen, e sua irmã mais nova, Primrose Everdeen (Prim), de 12 anos. Seu pai era um mineiro e morreu em uma explosão na mina de carvão onde trabalhava. Katniss mora em uma vila paupérrima, de casas velhas feitas de tabuas de madeira, que lembram muito o ambiente e clima de campos de prisioneiros na Europa, durante a II Guerra Mundial. Ela vive em um mundo pós-apocalíptico, morando em Panem, um país formado por doze distritos, que fica localizado no que antes era conhecido como a costa leste da América do Norte. Não se sabe ao certo em que tempo futuro ela vive, mas o seu ethos é diferente de tudo o que se conheceu durante os século XX e início do século XXI. Apesar da extrema pobreza existente, há tecnologia avançada e luxo na cidade mais poderosa e opulenta de Panem, chamada apenas de A Capital. Esta cidade é o centro do governo de Panem e de onde são transmitidos para todo o país os Jogos Vorazes.

Esta cidade é rodeada de doze distritos mais pobres, nomeados somente pela sequência numérica de 1 a 12. Um décimo terceiro distrito foi extinto após sua rebelião contra a Capital, em alguma época antes dos eventos narrados no livro e no filme. Para evitar novas revoltas e manter os distritos "na linha", a Capital exige o pagamento anual de tributos, sendo este pagamento composto de dois jovens, de ambos os sexos, entre 12 e 18 anos. Estes tributos irão participar dos Jogos Vorazes, uma competição mortal criada pela Capital e que é transmitida ao vivo pela TV para todo o país de Panem.

Para os Jogos Vorazes, é feita uma celebração chamada de Dia da Colheita, onde - em cada Distrito - são selecionados um rapaz e uma moça para representar o seu distrito de origem. Estes tributos são forçados a irem a Capital, onde passam a viver uma vida de ilusão - repleta de luxo, glamour, treinamento de luta e sobrevivência - antes de serem enviados para uma arena criada no intuito de simular uma floresta com dias e noites, porém, manipulada pelos organizadores do jogo. O objetivo do jogo é que apenas um tributo sobreviva a ele, após ter eliminado (literalmente) o máximo de competidores possíveis e ter sobrevivido as ameaças mortais que surgem dentro da arena. O sobrevivente é coroado vencedor e volta para o seu distrito onde é recebido como herói e passa a divulgar os Jogos Vorazes e enaltecer as virtudes de ser um vencedor dos jogos - que inclui desfrutar de uma vida confortável a partir daquele instante.

Katniss Everdeen mora no Distrito 12. Este distrito fica localizado em uma região anteriormente conhecida como Montes Apalaches, ao leste da América do Norte, entre os antigos EUA e Canadá. Seu distrito, por ser rico em carvão, vive apenas da exploração deste recurso natural e não possui mais nada. É pobre e as pessoas vivem do mínimo. Katniss sustenta a sua família, caçando ilegalmente nas florestas juntamente com seu amigo Gale (Liam Hemsworth), com quem vive um affair não declarado.

No Dia da Colheita, sua irmã  - Prim - é escolhida para ser o tributo feminino do Distrito 12, mas Katniss se oferece em seu lugar, surpreendendo a todos. O outro tributo é Peeta Mellark (Josh Hutcherson), o filho do padeiro da vila, que também tem 16 anos e estuda na mesma escola que ela. Apesar de ambos não terem contato frequente, Peeta vive uma paixão platônica por Katniss, e esta possui um sentimento de dívida com Peeta, que logo após a morte do pai de Katniss, deu pão para ela quando sua família passou por um período severo de fome.

Katniss e Peeta durante os treinamentos
Após a seleção, Katniss e Peeta são levados para a Capital, onde se encontram com os demais tributos. Lá eles são orientados por um mentor, Haymitch Abernathy, o único sobrevivente - até então - do Distrito 12 em todas as edições dos Jogos Vorazes. Devido as fortes lembranças que tem e por ter mentoreado inúmeros tributos mortos, Haymitch caiu no alcoolismo. Katniss também conhece Cinna, um estilista que é responsável por sua aparência em apresentações ao público antes dos jogos, pois sua aparência e apresentação pessoal podem ajudá-la a ganhar patrocínios - pessoas que pagam para que os jogadores recebam ajuda (remédios e suprimentos) quando estes estão confinados na arena. Quanto mais patrocinadores, maior é a probabilidade de sobrevivência. Katniss e Peeta sofrem uma extrema transformação, recebendo treinamento de sobrevivência, luta corpo-a-corpo e uso de armas. São orientados a viver como se fossem "estrelas" admiradas pela população da Capital, dando entrevistas e aparecendo ao público, ignorando o fato de que irão morrer, ou minimizando a triste realidade que os aguarda. Durante uma entrevista com o apresentador dos Jogos Vorazes, Peeta revela seu amor por Katniss. A garota, porém, acredita que a paixão de Peeta é apenas uma tática de jogo para que ambos ganhem mais patrocinadores. Desta forma, Katniss assume que também gosta do rapaz.

No primeiro dia do jogo, 11 dos 24 participantes morrem. Enquanto o número de tributos mortos cresce, Katniss consegue um arco e flechas e, usando suas técnicas de caça e os conselhos de seu mentor, segue na competição. Por um breve momento, Katniss faz uma aliança com Rue, uma menina de 12 anos do Distrito 11, que infelizmente é morta por outro tributo. A morte de Rue faz com que Katniss busque sobreviver ao jogo, mas não para ser mais uma vencedora apenas, mas sim para provar que aquela forma de opressão pode ser questionada.

Devido a uma mudança repentina nas regras do jogo - que dizia que se os dois últimos sobreviventes do jogo fossem do mesmo distrito, ambos seriam considerados vencedores - Katniss sai em busca de Peeta, para que ambos possam retornar salvos para casa. Ela encontra Peeta gravemente ferido e os dois se abrigam em uma caverna. Enquanto ela cuida de seu parceiro, passa a agir como se estivesse igualmente apaixonada por Peeta, para que a audiência sobre os dois cresça e recebam mais ajuda e apoio dos telespectadores. Mas ao final, quando ambos sobrevivem ao último desafio, as regras são mudadas novamente, o que os obrigavam a um eliminar ao outro. Katniss e Peeta concordam em desmoralizar a Capital e os organizadores dos jogos, decidindo cometer suicídio mútuo, comendo amoras venenosas. A estratégia funciona, já que o principal organizador do programa intervem segundos antes do casal comer os frutos, dando a vitória para ambos, sendo eles coroados como Vendedores da 74ª Edição dos Jogos Vorazes.

Apesar da vitória conquistada e de terem sido recebidos como heróis em seu distrito, Haymitch alerta a Katniss que ela havia se tornado um alvo político por ter desafiado a autoridade da Capital publicamente, já que foi dela a ideia de ingerir as amoras envenenadas. Peeta termina decepcionado com Katniss ao descobrir que ela havia assumido o romance apenas como uma estratégia para sobreviver ao jogo, e ela, por sua vez, fica confusa quanto aos seus sentimentos, pois Peeta havia sido verdadeiro com ela ao expressar seus sentimentos enquanto ambos estavam escondidos na caverna.

Jogos Vorazes aborda vários temas importantes e faz críticas a costumes modernos que mais parecem o retorno de velhos costumes pagãos do Império Romano, com uma roupagem do século XXI. Collins e Ross abordam temas como a pobreza extrema, a fome, os efeitos da guerra, entre outros problemas sociais, ao retratarem a vida nos distritos de Panem. A luta pela vida e a auto-preservação é uma constante no dia-a-dia dos habitantes de Panem e dos participantes dos Jogos Vorazes. Panem é retratada como uma distopia, um país fictício que trata o seu povo - fora da Capital -  com extrema crueldade, opressão e estado de penúria, para eliminar do espírito qualquer motivação para lutar. Por outro lado, o povo da Capital, vive em uma falsa democracia e sensação de liberdade, onde as pessoas usufruem do luxo e das "mordomias" que a sociedade moderna pode oferecer, mas sem se aperceberem que não passam de mais uma fatia da população que vive sob o tacão do governo de Panem, vivendo iludidos e sob controle, enquanto passam tendo "pão e circo".


O filme também apresenta questões morais como um tema central. Os personagens de Jogos Vorazes são obrigados - ou não - a fazerem constantes escolhas que são moralmente questionáveis. A exemplo disto, notamos que Katniss e Peeta, além dos demais tributos, são incentivados a assumirem personalidades que não são as suas, criando uma versão de si mesmos apenas para os olhos do público e da audiência dos jogos.


Katniss canta para Rue momentos antes da sua morte
A questão da violência e seus efeitos também é um tema central, e é o mais perturbador, embora seja constantemente amenizado pelo clima de romance infeliz e os dramas pessoais dos protagonistas. Não lembro, no cinema, ter havido alguma vez um filme que retratasse a violência entre crianças e adolescentes com este grau de crueldade. Embora as cenas de mortes sejam relativamente leves, não mostrando de todo as execuções que poderiam jorrar sangue em abundância (uma versão light de Jogos Mortais), a dramaticidade gera uma sensação de agonia, desamparo e choque, com tantas crianças, garotas e rapazes promovendo uma verdadeira carnificina com facas, cutelos, machadinhas, espadas, e técnicas de luta. Os personagens passam a agir de forma quase animal, lutando por suas vidas de maneira desesperada, ao ponto de ignorarem todos os seus "freios morais", todavia sem deixarem de sofrer as consequências psicológicas do ato.


Outro tema abordado é a crítica política às várias formas de controle político sobre a sociedade, repressão e vigilância. Porém, muito mais claro, é a crítica social feita aos programas chamados de Reality Shows. É neste ponto que eu quero chegar. Jogos Vorazes retrata como uma tirania, um governo opressor, corrupto e desigual, ou um Estado que exerce constante vigilância sobre seus cidadãos, usa a mídia para manter a população mais pobre escravizada e a mais abastada supostamente livre, distante da realidade imoral e opressiva em que estão inseridos.


A população de Panem, tanto na Capital como nos distritos, é obrigada a assistir aos Jogos Vorazes, enquanto torcem pelos seus tributos preferidos, ou esperam que seus filhos e netos sobrevivam à terrível provação. Os tributos, em face da morte eminente, parecem anestesiados e insensíveis ao fato de que suas tenras vidas se tornaram em objetos de diversão do público, pessoas sem valor ou alma, que morrem diante das câmeras sem que este sacrifício cause o menor choque e escândalo nos telespectadores. Eles são transformados em "astros pop" e figuras ilustres, que dão entrevistas e são celebradas e ovacionadas pelas pessoas comuns, porém convivendo com o fato de que serão levados a um matadouro e serão tratados como se fossem gado, onde suas mortes e sangue derramado não significam nada além de uma simples derrota em um jogo, uma partida esportiva de extrema violência, uma tourada, uma luta de gladiadores.


Os Jogos Vorazes são a versão moderna das antigas arenas romanas de gladiadores, onde o mito de Teseu se repete em um futuro onde não existem mais polegares levantados ou abaixados e arquibancadas lotadas de plebeus e nobres, sendo estes substituídos por olhos artificiais que vêem até nos lugares mais escondidos e  que transmitem tudo ao vivo para as pessoas no conforto de suas casas.


Aí eu me lembro do nosso país, voltando um pouco para a realidade e deixando de lado a distopia de Panem. Recentemente o Brasil terminou de assistir a mais uma edição dos programa Big Brother Brasil (BBB), transmitido nacionalmente pela Rede Globo de Televisão. Os Jogos Vorazes seguem a mesma proposta dos Reality Shows da atualidade, e no caso do Brasil o Big Brother é o maior expoente do gênero.


Originário de um programa com o mesmo nome - Big Brother - realizado em 1999 na Holanda, o BBB já encerrou a sua 12ª Edição, pagando um prêmio de R$ 1.500.000,00. O programa terminou em 29 de março de 2012 e arrecadou, apenas com patrocinadores, a soma de R$103.000.000,00. O curioso é que o Criança Esperança 2011, igualmente transmitido pela Globo, somente arrecadou R$ 18.000.000,00 e o Teleton 2011 seus R$ 23.800.000,00. Cabe o questionamento: Para que serve o BBB?


Não vou me ater às regras do programa e como ele funciona, pois todos já conhecem. Mas é pertinente que se fale a verdade sobre este infeliz reality show eivado de futilidades e imoralidade. Primeiro ponto negativo deste programa: com um país como o Brasil, que sofre de uma carência cultural endêmica e epidêmica, o BBB não passa nada instrutivo. Segundo: o BBB é um programa de muito mau gosto em todo o mundo, sendo rejeitado em vários países, e que, no Brasil, chega a ser uma imoralidade, mas recebe a atenção do público. Terceiro: é uma versão circense do crime de sequestro. Quarto: Os "confinados" da casa passam a agir como idiotas, que buscam a fama a custa da exposição de sua intimidade. Quinto: Ninguém é premiado na dita casa por ser talentoso em alguma coisa, por ser autor de uma obra, ou por simplesmente suas qualidades intelectuais. Sexto: O BBB é um "desserviço" à sociedade e um programa que não se presta a nada em termos de educação familiar e de valores; as crianças que assistem a este programa acabam aprendendo que qualquer exposição humilhante justifica o estrelato, e que o "circo moral" e a perda da privacidade são meios de vida. Sétimo: O BBB expõe crianças a conteúdo impróprio para elas, apresentando extrema exploração de sensualidade nociva e uma iniciação a erotização do corpo e da sexualidade muito cedo.


Não é a primeira vez que faço críticas pesadas ao BBB e o seu lixo despejado nas casas dos brasileiros idiotizados, todos os anos, por aproximados três meses. Também não é novidade, para quem me acompanha desde o início, que eu acho que o Governo Federal e a Rede Globo de Televisão sempre andam de mãos dadas - quando lhes é conveniente. Sempre que surge um grave problema social no país, ou aparecem sérios e grandes escândalos envolvendo políticos, com o passar do tempo a atenção da opinião pública é desviada para estes programas que arrebatam a massa não-pensante (isto vale também para o programa A Fazenda, da Rede Record). Enquanto uma cortina de fumaça é levantada diante de nossos olhos, o povo é anestesiado e levado a indiferença quanto as questões da nação, ficando reféns do pão (Bolsa Família) e do Circo (BBB).


Que "maravilhosa" máquina de controle social nós temos, não acham? Aqueles pobres coitados, sedentos de fama e dinheiro, com o sonho fútil de se tornarem atores e atrizes globais reconhecidos (sendo que muitos deles já possuem carreiras como modelos, empresários e profissionais liberais, e outros deles nem são tão desconhecidos assim, pois já passaram pela emissora e por outras em alguns trabalhos - figurinhas marcadas), se submetem ao ridículo, assumindo personalidades falsas no início do programa, até que as máscaras caem com o passar do tempo - e instigados pelos organizadores do programa, pelo próprio confinamento e pelo ambiente perverso - revelam o pior de seus caráteres (o mal, a ignorância e a vaidade), salvo pouquíssimos indivíduos.


Aqueles palhaços de circo se matam e chacinam moralmente, espiritualmente, e socialmente, como gladiadores em uma arena, onde os espectadores vertem sangue pelos cantos das bocas, ansiando por ver o próximo eliminado e torcendo pelo seu campeão, enquanto a intriga e a falsidade comem soltas dentro de uma casa que mais parece um hospício, e por vezes um prostíbulo.


Nesta última edição do BBB, nunca se deu tanta audiência e atenção para este programa por motivos sexuais. Tirando o fato de que muitos dos participantes envolvidos foram descobertos na internet como possuidores de vídeos eróticos, noticiados amplamente pela imprensa (seria por acaso?), o programa agiu de forma irresponsável e inconsequente quanto ao maior escândalo que já envolveu este reality show.


O estupro
O participante Daniel Echaniz (31) foi expulso do programa em 16 de janeiro, acusado de ter agido de forma abusiva contra sua parceira de confinamento Monique Popper (23), após a primeira festa da edição. Segundo o que foi transmitido pelos canais fechados (antes da cena ser cortada), a moça em questão dormiu embriagada junto com o acusado. Como as brincadeiras sexuais entre os dois estavam muito quentes, Daniel achou por bem que deveria consumar o ato, mesmo com a moça desacordada. A polêmica veio à tona depois que um vídeo foi divulgado na internet (propositalmente?) mostrando os dois em uma cama. Debaixo das cobertas, Daniel agarra a colega que, aparentemente, não reagiu aos assédios dele por estar desacordada. A polícia foi à casa e abriu um registro de ocorrência para ouvir os envolvidos. Acusação: estupro. Daniel deixou o programa no dia 16 de janeiro sob a justificativa de "grave comportamento inadequado" por parte da Rede Globo. A movimentação causada na Internet, favoreceu a divulgação do fato nas principais mídias impressas e televisivas do país e também alcançou âmbito internacional, com destaque em publicações como os jornais britânicos Daily Mail, The Guardian e o jornal australiano Sydney Morning Herald, que salientou as críticas contra a Rede Globo.


A nefasta emissora obrigou Monique a sustentar uma mentira divulgada oficialmente de que ambos teriam saído da casa para tratar de assuntos pessoais, sendo que o dela era para uma consulta odontológica de emergência. Enquanto os demais participantes estavam (aparentemente) alheios a situação, boa parte da opinião pública brasileira se revoltava com a Rede Globo, contra o diabólico diretor José Bonifácio de Oliveira (mais conhecido como Boninho), e a forma como o programa parecia ganhar mais audiência com modo como o caso foi tratado pela imprensa.


Coitadinho dele, né?!?! Brincou com o que quis
e ainda pode levar 20 milhões
Fato é que ficou a impressão de que a emissora usou o caso em proveito próprio, mesmo sob forte ataque da opinião pública. Infelizmente o caso foi arquivado pela polícia, o que não descarta a possibilidade de que a emissora tenha pago para não ser acusada criminalmente como co-responsável pela situação gerada. O modelo acusado, aproveitando-se da reviravolta quando foi inocentado da acusação, disse no último dia 26 de março para a Folha de São Paulo que vai  abrir processo contra a Globo, e reivindica uma indenização que pode chegar até R$ 20.000.000,00, enquanto sua família e movimentos de defesa racial gritam a palavra "racismo", pelo fato do modelo ser afro-descendente.


No fim, temos um potencial estuprador inocentado, achando que pode "pegar" qualquer bêbada desacordada que não tem nada demais; temos uma moça de 23 anos estuprada e silenciada, aceitando a sua condição de vítima sem poder exigir o cumprimento da justiça e ainda assim feliz pela sua atual fama e destaque; temos um caso policial encerrado em pizza e que provavelmente sofreu corrupção para que fosse arquivado; temos uma emissora que não vai sentir absolutamente nada, pois ela sempre esteve acima da lei neste país, e o que ela desembolsou ou desembolsará no episódio é nada se comparado aos milhões ganhos com o fim do programa, saindo livre como corrupta e corruptora; e por fim, temos uma massa de descerebrados e idiotas que pagaram milhões com mensagens de celular, ligações telefônicas e outras formas de votação para tirar ou manter os coitados debiloides dentro daquela casa maldita.


A hipocrisia do público que consumiu ao BBB e principalmente da própria Rede Globo é que, depois, ela não poupou a ninguém de cenas de sexo (quase explícitas, se não fossem os melecados e imundos edredons), entre outros dois casais e a nudez frontal da participante vinda da Espanha, que passou alguns dias na casa, para deleite e baba do povão.


Infelizmente o brasileiro é um povo sem memória e sem crítica, resultado de anos de subnutrição, sistema de saúde precário, desemprego, analfabetismo em vários graus, e corrupção generalizada, que força os cérebros e mentes das pessoas a se preocuparem em primeiro lugar com a sobrevivência e auto-preservação, do que pensar e refletir sobre sua realidade e de como são manipulados por forças poderosas que os tratam como gado.


O brasileiro é como o povo de Panem, mantido sob um regime de fome e dificuldades tais, que perdem o ânimo para a luta, restando-lhe apenas o trabalho e a diversão temporária, mas inebriante e sem propósito. Entorpecidos e ludibriados por um glamour fugaz, somos enganados pelas novelas, conduzidos a vidas fictícias que tomam nossa mente, nos desvinculando da realidade da vida, e nos levando para um estado de insensibilidade sobre vários aspectos da vida - nos tornamos "tolerantes" ao intolerável, ficamos frios quanto a violência, a imoralidade e a amoralidade, deixamos os marcos antigos e abraçamos o que é "politicamente correto" e "socialmente aceitável", enquanto estes valores são construídos em bases feitas de lama e lixo.


Ainda não somos monitorados ao ponto de vivermos como em Panem, ou no mundo do Grande Irmão de George Orwell, na distopia retratada em sua famosa obra, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, mas experimentamos o pior que pode ser feito através do controle de massas por meio da mídia televisiva. Tal qual os imperadores de Roma mantinham os romanos embriagados com a riqueza e luxo do Império, com a política do "Pão e Circo", alheios ao fato de que a sua sociedade estava sendo construída com bases feitas de escravos, cujas vidas logo se rebelariam e causariam sua derrocada, somos tratados da mesma forma, recebendo todo o assistencialismo do Estado em troca de votos e todo o entretenimento necessário para manter as pessoas acríticas e sem valores.


Acredito que um dia, quando a maioria aceitar de bom grado vender a sua liberdade de consciência, expressão, crença e opinião, em troca de mais pão e segurança, a pretexto do que é socialmente aceitável e correto, seremos todos vigiados 24 horas por dia, censurados e calados, comendo do bom e do melhor e usufruindo de todos os prazeres carnais possíveis, mas sem o direito de questionar quem exercerá o poder, sob pena de perder a vida e ter a cabeça exposta em algum lugar público.


Falta uma Katniss Everdeen no BBB para desmoralizar
este reality show
A diferença principal entre os Jogos Vorazes e o Big Brother Brasil, é que ninguém ainda entrou naquela casa, identificado com o tordo e a flecha, disposto a desmoralizar e ridicularizar o Boninho e a Rede Globo de Televisão em cadeia nacional, mostrando ao povo do lado de fora que é possível superar a mediocridade. A diferença básica é que nenhuma Katniss Everdeen ainda entrou no BBB, para de alguma forma, convencer as pessoas de que elas permanecem escravas do sistema, iludidas com a mentira de que o poder é exercido pelo controle remoto.


A verdade horripilante é que nossas crianças estão entregues aos cuidados da programação televisiva e da internet, cheia de sexo e sensualidade em horário nobre, educados por babás e empregadas que, algumas vezes, não tem crítica suficiente para selecionar o que é relevante em uma televisão, enquanto os pais estão trabalhando e as mães, como fruto do esforço para atender as crescentes demandas modernas e ganho de respeito e direitos, também deixa o lar para ajudar o marido a sustentar o lar e crescer - embora algumas delas queiram ganhar seu "espaço" e "independência" motivadas por um feminismo esdrúxulo que solapou a família ao longo das três últimas décadas. Nossos jovens e adolescentes não leem mais do que lhes é demandado nas escolas, e olhe lá. E os adultos passaram a viver com televisões dentro dos seus quartos, roubando-lhes o tempo que poderiam ter para o amor, o carinho, a conversa franca e a edificação mútua.


Mas as vezes algumas pessoas, mesmo sem ter esta intenção, resolvem escrever um livro ou dirigir e produzir um filme que nos leve a pensar sobre estas coisas, e graças ao bom Deus (digo isso sem receio), Suzanne Collins e Gary Ross fizeram o favor de trazer ao público a possibilidade de se refletir sobre o nosso mundo, o contexto político em que vivemos e a moral de nossa sociedade imoral.


Quero terminar com uma reflexão sobre uma dos diálogos do filme, vivido entre Katniss e seu paquera Gale. Ao questionarem a motivação dos governantes da Capital e a razão de existir dos Jogos Vorazes, Gale faz a seguinte pergunta para Katniss: "E se as pessoas parassem de assistir?" Esta é a pergunta fundamental do filme e que cada um de nós deveria se fazer. É a pergunta que serve como um tapa debochado em nós mesmos. A constatação é que somos o que somos, porque consumimos o que produzimos. E o que é produzido não é apenas um fruto da elite política intelectualmente dominante e porca, mas também um fruto nosso, que consumimos a disparidade. Se faz necessário que, pelo menos uma parte significativa da sociedade, passe a fazer o movimento de contra-cultura, para depor este estado de coisas. Cabe a Igreja  de Cristo iniciar este processo.


Como diriam os advogados e filósofos romanos, Sêneca e Cícero:
"É válido procurarmos conhecer a que má e penosa servidão nos sujeitamos quando nos abandonamos ao poder alternado dos prazeres e das dores, esses dois amos tão caprichosos quanto tirânicos."
 e:
"Que tempos os nossos! E que costumes!"

Um comentário:

  1. Muito bom... Estou sem palavras. Sou uma grande fã da trilogia Jogos Vorazes e cada vez que terminava um capítulo ia assimilando cada vez mais o quão crítica aos nossos dias de hoje essa narrativa é. Parabéns pelo texto .

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