Ronaldo Ausone Lupinacci
O presidente Lula pediu apoio do Congresso para aprovação de projeto de lei que inclui "castigo corporal" e "tratamento cruel e degradante" como violações de direitos na infância e na adolescência. A lei vigente (ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente), fala em "maus tratos", mas não especifica os castigos que não podem ser aplicados por pais, mães e responsáveis. Lula também previu que o projeto seria criticado por setores “conservadores” da sociedade (como de fato está acontecendo [1]), ao mesmo tempo em que questionou a eficácia do castigo físico na educação das crianças. De acordo com o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, a ideia não é punir os pais, mas evitar castigos corporais, dizendo querer "deixar claro que o que nos move não é o beliscão e a palmadinha” [2], e exemplificou com os conhecidos casos de Isabella Nardoni, e da menina adotada por uma procuradora do Estado do Rio de Janeiro. Carmen Oliveira, da mesma Secretaria de Direitos Humanos, esclareceu que a iniciativa do governo visou atender recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que orientou a "adoção de medidas legislativas que proíbam de forma explícita o castigo corporal contra crianças e adolescentes" [3].
Segundo pesquisa da Datafolha, “a maioria dos brasileiros já apanhou dos pais, já bateu nos filhos e é contra o projeto de lei”. Das pessoas consultadas, 54% se opuseram à proposta, e, apenas 36% a apoiaram.
A educação é assunto de importância primordial. Mas, por educação se deve entender, antes de tudo, a boa formação do caráter do homem ou da mulher. A transmissão de conhecimentos, por igual, se insere no âmbito da educação. Todavia, conquanto indispensável, se coloca em plano secundário. Trata-se de assunto vastíssimo sobre o qual não é possível ir, aqui, além de algumas poucas idéias, expostas de maneira muito sumária.
A alma humana é, por assim dizer, ambivalente. Em virtude do que se designa por pecado original, coexistem no ser humano tendências para o bem e para o mal, que se traduzirão em atos segundo o uso que cada um fizer da liberdade psicológica. Contudo, se possuímos a liberdade psicológica, não detemos a liberdade moral, vale dizer, existem ilícitos desde a esfera interna dos pensamentos até as palavras ditas ou escritas, e as demais ações praticadas. As leis humanas (em sentido lato), obviamente, não cogitam dos pensamentos, pois só Deus os conhece, como não cogitam dos atos realizados privadamente. Mas regulam o comportamento social, de um modo geral, desde a vida em família, na escola, no trabalho e assim por diante. Assim, temos as leis propriamente ditas, estabelecidas pela autoridade pública, ao lado de outras normas de inferior hierarquia, tais como aquelas inseridas naquilo que se denomina disciplina geral, inclusive a etiqueta. A boa convivência exige o respeito a umas e outras.
Sucede que o lado mau do ser humano frequentemente o leva a desobedecer as normas morais ou jurídicas, e, até mesmo a rebelar-se contra a própria existência delas. Caso inexista repressão, as transgressões se generalizam e se agravam a ponto de comprometer a sobrevivência da ordem social. Daí a necessidade de punições para os que incidem em atos condenáveis. Embora seja sabido que só a repressão não elimina os desvios de conduta, e, nem mesmo se constitua no melhor antídoto, é certo que não pode ser dispensada, sob pena de ficar esvaziado o princípio de autoridade. Posta assim a questão em termos abstratos e genéricos, cumpre focalizá-la no que respeita às crianças e adolescentes, sempre tendo em vista que o grau de discernimento muda ao longo da existência, desde a primeira infância, passando pela idade da razão (por volta dos sete anos), da fixação do rumo da vida (no início da adolescência) até a fase adulta, e mesmo da velhice (quando, por vezes, decai a lucidez).
A sabedoria milenar destilou preceitos que valem para todos os tempos e lugares. Lemos nas Sagradas Escrituras: “quem poupa a vara odeia seu filho; quem o ama, castiga-o na hora precisa”; “corrige teu filho enquanto há esperança, mas não te enfureças até fazê-lo perecer”; “severa é a correção para o que se afasta do caminho, e o que aborrece a repreensão perecerá”; “a loucura apega-se ao coração da criança; a vara da disciplina afastá-la-á dela”; “um filho sábio ama a disciplina, mas o incorrigível não aceita repreensões” (Provérbios, 13,24; 19, 18; 15, 10; 22, 15; 13, 1). Os ensinamentos acima, cuja validade é confirmada pela experiência e pelo senso comum, no entanto, hoje, parecem obscurecidos ao ponto de que o projeto de lei do Governo Federal, embora venha enfrentando oposição majoritária, não de deixou de contar com ponderável simpatia. E por quais motivos isso aconteceu?
Penso que são vários, mas giram, especialmente, em torno da debilitação do instituto da família. Já vem de muito tempo a tendência para fragilizar o pátrio poder, tendência esta que — segundo um cientista cujo nome não me recordo — é responsável pelo estado anárquico da sociedade contemporânea, o que se reflete principalmente na criminalidade. Ademais, esmaeceu-se a noção de que há um direito dos pais sobre os filhos, nos quais o Estado não pode interferir. Direito que se entrelaça com deveres correlatos. A própria degeneração geral dos comportamentos, mesmo nos ambientes familiares, favoreceu a expansão da violência chamada doméstica, que atinge até as crianças. Sucede que não se combate um mal com outro, ainda pior, como seria o aniquilamento do princípio de autoridade, tanto mais porque o projeto do governo também prevê o ensino dos “direitos humanos” nas escolas, estímulo este adicional para que os jovens se sintam ainda mais tentados a desafiar pais e professores.
Além disso, a mentalidade contemporânea propende pela aversão a qualquer forma de sofrimento, mesmo aquele necessário ou até inevitável, como se um dia a dor pudesse ser banida de nossa existência terrena. E, como as penalidades domésticas acarretam sofrimento para as crianças criou-se em certos círculos sociais a antipatia até mesmo às palmadas, necessárias em algumas situações. É princípio jurídico que o abuso não tolhe o uso (“abusus non tollit usum”). Os excessos em que incidem certos pais merecem coibição na órbita do Direito Civil e Direito Penal, inclusive. Isso não significa que devam ser abolidas as punições, mesmo as corpóreas. O assunto precisa ser visto com objetividade e equilíbrio em função de balizas, cuja demorada análise não cabe neste texto: a) especificidade; b) proporcionalidade; c) gradualidade; d) conhecimento; e) consentimento, e; f) natureza da falta.
A perda das noções acima relembradas constitui a causa do atual ambiente de confusão, no qual até propostas absurdas — como aquela aqui criticada — podem vicejar.
Vê-se, por fim, que sob o manto da mágica expressão “direitos humanos”, nascida remotamente da falsa doutrina da bondade natural do homem pregada por Rousseau, está sendo fabricada uma nova religião, paradoxalmente laica, vale dizer atéia, que pretende se impor a todos, perturbando todos os aspectos da vida.
Fonte: Jornal Nova Fronteira
Divulgação: www.juliosevero.com
Você escreve muito ein meu caro. ^^ Faz um tempo que não venho aqui mas prosseguirei acompanhando. Estou saindo agora, mas depois leio esse post. Enquanto isso você pode me dar uma dica? Como você colocou esse "você poderá gostar de". Sempre me perguntei isso. ^^ Falows
ResponderExcluirObrigado pela visita e o comentário, mano.
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