Por Demetrius Farias
Enquanto os evangélicos se detém com assuntos como prosperidade, vitória financeira, proclamações, declarações em geral, alguns estão na luta contra a PLC 122/2006, que trata da criminalização da "homofobia". Mas agora, a Igreja Brasileira vai enfrentar um novo desafio, que também coloca em risco a estrutura e os valores da Família. Foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que será levado para votação no Senado Federal, sem passar pela Câmara, pois o projeto foi aprovado em caráter conclusivo.O texto do Projeto de Lei 2.654/2003, de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul (tinha que ser!), prevê a punição aos pais que corrigirem seus filhos.
Conforme o texto, o castigo corporal de criança ou adolescente sujeitará os pais, professores e responsáveis a medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Entre tais medidas estão o encaminhamento do adulto infrator a um programa oficial ou comunitário de proteção à família, a tratamento psicológico ou psiquiátrico e a cursos ou programas de orientação.
A deputada Maria do Rosário argumenta que, mesmo com os avanços da Constituição e do ECA, ainda persiste no país a cultura do "uso da violência" contra crianças e adolescentes.
“A remanescência dessa cultura ainda é admitida e tolerada sob o argumento de que se trata do uso de violência moderada, enquanto a ordem jurídica dispõe censura explícita tão somente quando da ocorrência da violência imoderada.”Defende.
“É fundamental tornar explícito que a punição corporal de criança e adolescente é absolutamente inaceitável.”A relatoria do CCJ, na pessoa da deputada Sandra Rosado (PSB do Rio Grande do Norte), observa que o artigo 227 da Constituição determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente os direitos naturais do cidadão e colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão. Segundo ela, os castigos físicos impostos a crianças e adolescentes são uma forma de "violência" que não pode ser acobertada pela sociedade.
“Enquanto a lei tem coibido a violência praticada contra adultos, nas mais diversas formas, a violência contra crianças tem sido admitida, disfarçada de recurso pedagógico. O castigo físico imposto a uma criança, ainda que 'moderado', é ato de violência e provoca traumas significativos."Argumentou a relatora.
Como profissional da área de saúde, a afirmação de que os castigos corporais são atos de violência e causam traumas significativos é totalmente questionável. Não existem estudos em psicologia que sejam conclusivos sobre o tema, e mesmo entre os profissionais da área não há unânimidade sobre o assunto. Algumas teorias, principalmente em certos círculos de psicanalistas, dão conta desta afirmação, contudo nem toda a comunidade psicanalítica concorda.
O uso dos castigos corporais e a imposição de limites a crianças e adolescentes através da palavra "NÃO", sabidamente não traumatiza a ninguém. Os traumas, quando existem, advem de pais que usavam da violência extrema, espancamento, e modos errados da aplicação da disciplina física. Nestes casos, parentes e professores, além das próprias crianças e adolescentes podem recorrer a justiça quando houver a agressão comprovada.
Este Projeto de Lei é imbuído de distorções e experiências liberais dos anos 60, onde teorias psicológicas eram argumento para se dizer que a disciplina física traumatizava. O resultado foi que muito pais deixaram de corrigir seus filhos e se tornaram uma geração de pais permissivos e filhos que depois foram considerados como a "Geração Perdida" dos anos 70 e 80. Ainda hoje sofremos os efeitos desta conduta proposta por pedagogos e psicólogos, e que está em questionamento em alguns países europeus, como a França.
O exemplo francês nos mostra que a legislação do país, que super-protege crianças e adolescentes, ao ponto de os pais serem criminalizados se corrigirem os filhos fisicamente, gerou uma onda de denuncismo por parte de filhos contra seus pais. A experiência em impor limites apenas com o "diálogo" se mostrou ineficaz, e gerou crianças e adolescentes franceses tirânicos, fazendo com que seus progenitores perdessem o controle sobre seus rebentos.
O Brasil, como em muitos casos, sempre adota medidas semelhantes a países europeus e aos EUA como se o fato de tais novidades vindas do norte fossem sinônimo de evolução. O fato é que estas medidas legais de proteção já estão antiquadas e em franco debate sobre sua eficácia. Em outras palavras, qualquer argumento sobre a correção física ser uma violência é falácia. Além disto, a experiência francesa mostrou que a insatisfação dos pais em não poder educar seus filhos, revelou que há efeitos danosos na sociedade quando o Estado intervém em assuntos que não lhe dizem respeito.
Pesquisas brasileiras, como as desenvolvidas pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade Estadual de São Paulo (Lacri-USP), são indevidamente utilizadas, e seus resultados mal-interpretados quando estes apresentam dados sobre violência doméstica na sua mais nefasta manifestação, e são confundidos ou propositalmente comparados com a disciplina física doméstica, a fim de fundamentar argumentos como os da deputada petista.
A verdade é que este projeto de lei, se aprovado, coloca em risco as gerações de crianças e adolescentes, que passarão a serem entregues a si mesmas, tornado-se verdadeiros tiranos, principalmente os adolescentes, que utilizarão da lei para coagir seus pais e responsáveis, como acontece no Reino Unido, em alguns estados americanos e em outros países europeus.
Crianças e adolescentes sem limites e sem correção física, punições sociais e sanções parentais (os clássicos castigos que proíbem e vetam privilégios e coisas das quais as crianças e adolescentes gostam), são seres que funcionam apenas pela Lei do Desejo: "Eu quero agora." Tais crianças não tem controle sobre a impulsividade e, por isso, têem verdadeiros ataques quando se sentem frustradas. Ao ficarem com raiva, gritam e agridem com tapas, mordidas e pontapés. A principal função dos limites é possibilitar a o controle da impulsividade. A criança progressivamente aprende a viver dentro da realidade: nem sempre acontece tudo o que ela quer, na hora e como ela quer. Os limites impostos pela disciplina, quando bem aplicados, ajudam a criança a aprender o conceito da espera, a tolerar suas frustrações vivenciadas, e a criar meios convenientes de expressão da raiva, além da percepção de que os demais também têm necessidades e desejos que devem ser considerados. Estes mesmo processos são reeditados na adolescência e se os mesmo forem deixados a mercê de suas mudanças corporais e psicológicas, temos consequências desastrosas.
Na Nova Zelândia e em outros países onde leis semelhantes foram aprovadas, se o Brasil faz questão de imitar países "desenvolvidos", ocorreu o seguinte fato: houve uma pesquisa sobre a lei "anti-palmada" e o resultado foi notável. Na Nova Zelândia foi realizado um referendo que apontou a maioria dos neozelandeses como desejando que os pais pudessem voltar a aplicar a punição física em seus filhos. O referendo foi realizado depois de dois anos da lei ter proibido este tipo de medida disciplinar. A pergunta do referendo foi:
“A palmada (nos filhos) como parte de uma punição apropriada por parte dos pais deve ser considerada um crime na Nova Zelândia?”
Conforme as autoridades do país, 87,6% dos eleitores votaram no ‘não’, ou seja, pela extinção da lei, e apenas 11,81% deles votaram no ‘sim’, pela manutenção da lei que proíbe castigos físicos. Pesquisadores confirmaram que depois da lei entrar em vigor, na Nova Zelândia, aumentou os números casos de menores envolvidos em crimes. Seria isto uma mera coincidência? A conclusão obvia é que a educação liberal gera estes monstrinhos. A psicologia e pedagogia dos anos 60 ainda vigora na mente de muitos brasileiros, e esta visão de mundo somente cria pais neuróticos e filhos insubordinados.
Temos que ficar de olhos abertos e fiscalizar a aprovação desta Lei. Somente assim poderemos garantir que tais absurdos sejam aprovados e virem lei neste país confuso de mente e de governo.
Vou deixar aqui para vocês a cópia do Projeto de Lei:
PROJETO DE LEI Nº 2564 /2003
http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=186335
(Da Senhora Maria do Rosário)
Dispõe sobre a alteração da Lei 8069, de 13/07/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei 10406, de 10/01/2002, o Novo Código Civil, estabelecendo o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1o – São acrescentados à Lei 8069, de 13/07/1990, os seguintes artigos:
Art. 18A – A criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos.
Parágrafo único – Para efeito deste artigo será conferida especial proteção à situação de vulnerabilidade à violência que a criança e o adolescente possam sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça, etnia, gênero ou situação sócio-econômica.
Art. 18B – Verificada a hipótese de punição corporal em face de criança ou adolescente, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, os pais, professores ou responsáveis ficarão sujeitos às medidas previstas no artigo 129, incisos I, III, IV e VI desta lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 18 D – Cabe ao Estado, com a participação da sociedade:
I. Estimular ações educativas continuadas destinadas a conscientizar o público sobre a ilicitude do uso da violência contra criança e adolescente, ainda que sob a alegação de propósitos pedagógicos;
II. Divulgar instrumentos nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente;
III. Promover reformas curriculares, com vistas a introduzir disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente, nos termos dos artigos 27 e 35, da Lei 9394, de 20/12/1996 e do artigo 1º da Lei 5692, de 11/08/1971, ou a introduzir no currículo do ensino básico e médio um tema transversal referente aos direitos da criança, nos moldes dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Art. 2o – O artigo 1634 da Lei 10.406, de 10/01/2002 (novo Código Civil), passa a ter seguinte redação:
“Art. 1634 – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
VII. Exigir, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.
Art. 3o – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A Constituição Brasileira de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil em 24.09.90) introduzem, na cultura jurídica brasileira, um novo paradigma inspirado pela concepção da criança e do adolescente como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento. Este novo paradigma fomenta a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente e consagra uma lógica e uma principiologia próprias voltadas a assegurar a prevalência e a primazia do interesse superior da criança e do adolescente. Na qualidade de sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento, à criança e ao adolescente é garantido o direito à proteção especial.
Sob esta perspectiva, a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 227, estabelece que: “ É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança a ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao regulamentar o comando constitucional, prescreve, em seu artigo 5º, que:“ Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Acrescenta o artigo 18 do mesmo Estatuto: “ É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Não obstante os avanços decorrentes da Constituição e do Estatuto, no sentido de garantir o direito da criança e do adolescente ao respeito, à dignidade, à integridade física, psíquica e moral, bem como de colocá-los a salvo de qualquer tratamento desumano ou violento, constata-se que tais avanços não tem sido capazes de romper com uma cultura que admite o uso da violência contra criança e adolescente (a chamada “mania de bater”[1][1]), sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos.
Sob o prisma jurídico, a remanescência desta cultura, por vezes, ainda é admitida e tolerada sob o argumento de que se trata do uso da violência “moderada”. Vale dizer, a ordem jurídica tece, de forma implícita, a tênue distinção entre a violência “moderada” e “imoderada”, dispondo censura explícita tão somente quando da ocorrência dessa última modalidade de violência. Destaca-se, neste sentido, o Código Civil de 1916 que, em seu artigo 395, determina que “perderá por ato judicial o pátrio poder o pai, ou a mãe que castigar imoderadamente o filho (...)”. Observe-se, como conseqüência, que o castigo “moderado” é, deste modo, aceitável, tolerável e admissível, não implicando qualquer sanção. No Código Penal de 1940, o crime de maus tratos, tipificado no artigo 136, na mesma direção, vem a punir o ato de expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quando do abuso dos meios de correção ou disciplina. Uma vez mais, há que se diferenciar a prática abusiva e não abusiva dos meios de correção ou disciplina, posto que apenas a primeira é punível. Estes dispositivos legais, na prática, têm sido utilizados para o fim de contribuir para a cultura que ainda aceita e tolera o uso da violência “moderada”contra criança e adolescente, sob a alegação de propósitos pedagógicos, na medida em que se pune apenas o uso imoderado da força física. Além disso, há dificuldade em se traçar limites entre um castigo moderado e um castigo imoderado, o que tem propiciado abusos.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a permissão do uso moderado da violência contra crianças e adolescentes faz parte de uma cultura da violência baseada em três classes de fatores: ligados à infância, ligados à família e ligados à violência propriamente dita. Quanto aos primeiros, persiste no Brasil a percepção da criança e do adolescente como grupos menorizados, isto é, como grupos inferiorizados da população, frente aos quais é tolerado o uso da violência. Quanto aos segundos, vigora ainda um modelo familiar pautado na valorização do espaço privado e da estrutura patriarcal, que, por estar muitas vezes submerso em dificuldades sócio-econômicas, propicia a eclosão da violência. Quanto aos terceiros, prevalece no Brasil o costume de se recorrer a alternativas violentas de solução de conflitos, inclusive no que toca a conflitos domésticos. Essa cultura, contudo, pode e deve ser enfrentada por diversas vias, dentre elas, a valorização da infância e da adolescência, a percepção da criança como um ser político, sujeito de direitos e deveres, e, ainda, a elucidação de métodos pacíficos de resolução de conflitos, que abarcarão a vedação do castigo infantil, ainda que moderado e para fins pretensamente pedagógicos.[2][2]
Neste contexto, é fundamental e necessário tornar inequivocadamente claro e explícito que a punição corporal de criança e adolescente, ainda que sob pretensos propósitos pedagógicos, é absolutamente inaceitável. Daí a apresentação do presente projeto de lei, que objetiva assegurar à criança e ao adolescente o direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, no lar, na escola ou em instituição de atendimento público ou privado. O escopo principal é ressaltar que a vedação genérica da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente quanto ao uso da violência abrange a punição corporal mesmo quando moderada e mesmo quando perpetrada por pais ou outros responsáveis.
A escolha pela inclusão desse direito específico no Estatuto da Criança e do Adolescente atende a esse escopo sem calcar dúvidas quanto à ilicitude do uso da violência de modo geral, nos termos do artigo 18 desse diploma. A inclusão alcança, ademais disso, duas outras metas. Primeiro, assegurará uma maior coerência ao sistema de proteção da criança e do adolescente. Segundo, ressaltará a relevância desse direito específico, na medida em que esse passará a fazer parte de uma lei paradigmática tanto interna quanto internacionalmente.
Não se trata, todavia, da criminalização da violência moderada, mas da explicitação de que essa conduta não condiz com o direito. È nesse sentido, ademais disso, que se coloca o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança. No parágrafo 17 de sua Discussão sobre Violência contra Crianças na Família e na Escola, o Comitê ressaltou que a “ênfase deve ser na educação e no apoio aos pais, e não na punição. Esforços preventivos e protetivos devem enfatizar a necessidade de se considerar a separação da família como uma medida excepcional”.[3][3]
Orientado pela vertente preventiva e pedagógica, o projeto estabelece que, na hipótese do uso da violência contra criança ou adolescente, ainda que sob a alegação de propósitos educativos, os pais, professores ou responsáveis ficarão sujeitos às medidas previstas no artigo 129, incisos I, III, IV e VI do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tais medidas compreendem: o encaminhamento dos pais ou responsável a programa oficial ou comunitário de proteção à família; o encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; o encaminhamento a cursos ou programas de orientação; bem como a obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado.
Conforme revela a experiência de outros países, como a Suécia [4][4], a plena efetivação e observância do direito a uma pedagogia não violenta requer do Poder Público o desenvolvimento de campanhas educativas destinadas a conscientizar o público sobre a ilicitude do uso da violência contra criança e adolescente, ainda que sob a alegação de propósitos pedagógicos. Daí a inclusão do artigo 18 – D do projeto de lei, visando justamente impor ao Poder Público o dever de estimular ações educativas continuadas de conscientização, bem como o de divulgar os instrumentos nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente e de promover reformas curriculares, com vistas a introduzir disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Considerando o novo Código Civil, que entrou em vigor em janeiro de 2003, o presente projeto ainda torna explícita a proibição do uso da violência, seja moderada ou imoderada, no que tange à exigência dos pais em face da pessoa dos filhos menores “de que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”. Assim, fica afastada a perversa conseqüência de legitimar ou autorizar o eventual uso da violência física, mesmo quando moderada, para “educar” e exigir dos filhos que prestem a obediência necessária.
Observe-se que no Direito Comparado, a tendência contemporânea é a de punir expressa e explicitamente o uso da violência contra criança e adolescente, ainda quando alegada para pretensos propósitos pedagógicos. A título exemplificativo, destacam-se: a experiência pioneira da Suécia, que desde 1979 adotou a chamada “Anti-spanking law”, proibindo a punição corporal ou qualquer outro tratamento humilhante em face de crianças; a decisão da Comissão Européia de Direitos Humanos de que a punição corporal de crianças constitui violação aos direitos humanos; a lei da Família e da Juventude (Family Law and the Youth and Welfare Act), aprovada na Áustria em 1989, com o fim de evitar que fosse a punição corporal usada como instrumento de educação de crianças; a lei sobre Custódia e Cuidados dos Pais (Parenthal Custody and Care Act), aprovada na Dinamarca em 1997, a lei de pais e filhos (Parent and Child Act), adotada na Noruega em 1987; a lei da proteção dos direitos da criança (Protection of the Rights of the Child Law), adotada na Letônia em 1998; as alterações no artigo 1631 do Código Civil, aprovadas na Alemanha em 2000; a decisão da Suprema Corte de Israel, de 2000, que sustentou ser inadmissível a punição corporal de crianças, por seus pais ou responsáveis; a lei adotada em Chipre em 2000 (Law which provides for the prevention of Violence in the Family and Protection of Victims), voltada à prevenção da violência no núcleo familiar e da Islândia (2003). Além destas experiências, acrescente-se que países como a Itália, Canadá, Reino Unido, México e Nova Zelândia tem se orientado na mesma direção, no sentido de prevenir e proibir o uso da punição corporal de crianças, sob a alegação de propósitos educativos, particularmente mediante relevantes precedentes judiciais e reformas legislativas em curso. Cite-se, ainda, decisão proferida pela Corte Européia de Direitos Humanos, em face do Reino Unido, considerando ilegal a punição corporal de crianças.
Ressalte-se, além disso, que o Brasil é parte da Convenção sobre os Direitos da Criança, desde 24 de setembro de 1990. Ao ratificar a Convenção, no livre e pleno exercício de sua soberania, o Estado Brasileiro assumiu a obrigação de assegurar à criança o direito a uma educação não violenta, contraindo para si a obrigação de não apenas respeitar, mas também de promover este direito. A respeito, merece menção o artigo 19 (1), cominado com o artigo 5o, da Convenção. De acordo com o artigo 19 (1): “ Os Estados Partes tomarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto estiver sob a guarda dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela ”. Por sua vez, o artigo 5º estabelece: “Os Estados Partes respeitarão as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, conforme o caso, dos familiares ou da comunidade, conforme os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, de orientar e instruir apropriadamente a criança de modo consistente com a evolução de sua capacidade, no exercício dos direitos reconhecidos pela presente Convenção”.
Deste modo, o artigo 19, conjugado com o artigo 5º, da CDC, veda claramente a utilização de qualquer forma de violência contra a criança, seja ela moderada ou imoderada, mesmo que para fins pretensamente educativos ou pedagógicos, considerando ilícitas, nessa linha, práticas “corretivas” empregadas por pais ou responsáveis que abarquem punições físicas em qualquer grau. Adicione-se que o artigo 29 da Convenção estipula ainda um direito complementar ao da educação não violenta: o direito a uma educação de qualidade. A respeito, importa frisar que a própria Declaração Universal, em seu artigo 26, já estabelecia que a instrução deveria ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais [5][5].
Considerando a efetiva implementação de avanços introduzidos pela Constituição Brasileira de 1988 e pelo Estatuto da Criança e Adolescente, bem como as obrigações internacionais assumidas pelo Estado Brasileiro, com a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança e tendo em vista ainda a tendência do Direito Comparado contemporâneo, refletida nas experiências de diversos países, é urgente e necessária a aprovação do presente projeto de lei, ao consagrar expressamente o direito da criança e do adolescente a uma pedagogia não violenta.
O reconhecimento da dignidade da criança e do adolescente consolida a idéia de que, se não se admite a violação à integridade física de um adulto por outro adulto, em qualquer grau, não se pode admitir a violação à integridade física de uma criança ou adolescente por um adulto. Há de se assegurar, por conseguinte, o direito da criança e do adolescente a uma educação não violenta, por meio do reconhecimento explícito do direito específico da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer violência, seja ela moderada ou imoderada, ainda que cometida por pais ou responsáveis, com finalidades pretensamente pedagógicas.
Enfim, o presente projeto, que teve origem na “Petição por uma Pedagogia Não Violenta” e que recebeu no Brasil, Peru e Argentina mais de 200 mil assinaturas, visa a combater, em definitivo, a punição corporal que ainda alcança tantas crianças e adolescentes, violando seu direito fundamental ao respeito e à dignidade. A proposição que estamos apresentando à Casa foi elaborada pelo Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da Universidade de São Paulo (USP), sob a responsabilidade das coordenadoras, Dra. Maria Amélia Azevedo, Dra. Flávia Piovesan, Dra. Carolina de Mattos Ricardo, Dra. Daniela Ikawa e Dr. Ricardo Azevedo Guerra, e, como pode ser verificado na argumentação supra, está amparado por pesquisas e análises comparativas com as legislações mais avançadas do mundo. Por esse motivo, esperamos contar com o apoio a sua aprovação.
Sala das Sessões, em , de novembro de 2003.
Maria do Rosário
Deputada Federal
PT/RS
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[1][1] Sobre o tema, ver “Por que abolir no Brasil a punição corporal doméstica de crianças e adolescentes?” , de Maria Amélia Azevedo e Viviane N. de A. Guerra (mimeo).
[2][2] Maria Amélia Azevedo e Viviane N. de A. Guerra. A Violência Doméstica na Infância e na Adolescência. São Paulo: Robe, 1995, p. 77-85
[3][3] Nações Unidas - Comitê dos Direitos da Criança, “Discussão sobre Violência contra Crianças dentro da Família e nas Escolas,” CRC/C/111, 28 th Session, 28 de setembro de 2001.
[4][4] É interessante notar que a própria lei, que torna ilícito o uso da violência, ainda que moderada, para fins educativos, pode trazer mudanças sociais. Foi o que ocorreu, ilustrativamente, na Suécia (1979) e na Dinamarca (1997). Na Suécia, em 1968, 42% da população entendia que o castigo corporal era, por vezes, necessário. Em 1994, apenas 11% da população apoiava o uso do castigo na educação. Na Dinamarca, uma pesquisa de opinião realizada em 1984 indicou que 68% dos dinamarqueses eram contrários à abolição da punição corporal. Em 1997, 57% da população era contrária ao uso dessa punição. A mudança se deu não pela lei de 1997, mas por outra anterior, de 1985, menos explícita. Em todos esses casos, contudo, os efeitos sociais da lei foram efetivos apenas porque essas leis foram acompanhadas por campanhas de educação pública. Na Suécia, por exemplo, em dois anos da promulgação da lei, que proibiu todas as formas de punição corporal, 99% da população tinha ciência de seu conteúdo. Fonte: Durrant, J. The Swedish Ban on Corporal Punishment: Its History and Effects. In: Family Violence Against Children: a Challenge for Society, Berlin, New York, Walter de Gruyter and Co., 1996.
[5][5] Estabeleceu o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu Comentário Geral N. 13, adotado em 1999, que “a educação é, ao mesmo tempo, um direito humano em si e um meio indispensável para realização de outros direitos humanos”.
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