Por Demetrius Farias
Esperei alguns dias, depois da morte de Khadafi, para comentar o fato e tentar fazer uma nova análise sobre o que vem ocorrendo no Oriente Médio nestes últimos meses. A Guerra Civil Líbia (15 de fevereiro a 20 de outubro de 2011), que faz parte das muitas manifestações populares, por grande parte do Mundo Árabe e no Irã, e que terminou com a derrubada do governo do ditador Muammar Khadafi, que liderou o governo líbio por longos 42 anos.
As primeiras manifestações ocorreram em algumas poucas cidades líbias, entre elas, Benghazi. Nas demais áreas urbanas, os protestos foram mais tímidos. Suas principais reivindicações era a melhoria na qualidade de vida da população, melhor distribuição de riquezas, liberdade democrática e o fim da corrupção no seio do governo e de suas instituições. Para contornar a onda de "efeito dominó" que já atingira a Tunísia e o Egito, o governo líbio anunciou a criação de um fundo com 24 milhões de dólares (27 de janeiro) destinados a construção de moradias e desenvolvimento social. Vários intelectuais se uniram aos manifestantes, entre eles um escritor político, Jamal al-Hajji, que foi preso por incitar os manifestantes por meio da internet.
Desde 1969, Muammar al-Khadafi estava no poder, após ter derrubado o rei Idris I, resultado de insatisfações populares da época. Muito foi feito pelo povo, nos primeiros anos, como a quase total erradicação do analfabetismo, melhorias nas condições de vida do povo, moradia e lucros econômicos do petróleo, antes explorados exclusivamente pelos EUA sem repasse para a Líbia.
Mas o novo estado de coisas durou muito pouco, já que logo a corrupção e a nítida política autoritária e cleptocrática do coronel Khadafi não tardou em aparecer. O país passou a ser rígido em estabelecer leis islâmicas para a nação, como a proibição de bebidas alcoólicas e jogos de azar.
Os recursos da Líbia eram controlados pelos membros da família Khadafi. Tudo que poderia render lucro na Líbia, tinha o dedo de alguém da sua família. Mais da metade da renda líbia vinha do petróleo, e boa parte destes recursos, foi empregada na compra de armas e no financiamento do terrorismo islâmico pelo mundo.
A Líbia, até então, ocupava o primeiro lugar na lista de países com censura no Norte da África, e ainda foi suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU, por graves violações, principalmente com relação aos seus opositores políticos.
Após as primeiras manifestações, dezenas de manifestantes começaram a serem mortos. Várias tribos e grupos pró-governo, além da polícia secreta, entraram em conflito com os revoltosos. A repressão tomou formas mais violentas, neste processo, e muitos manifestantes foram mortos em bombardeios a cidades e por franco-atiradores, impactando a economia do país, atingindo o mercado europeu e os preços do petróleo. A situação gerou novos protestos, desta vez contra a intransigência do governo e a brutal repressão, porém tais protestos de degeneraram em revolta popular e que se espalhou pelo leste do país. Parte das Forças Armadas do país se uniu aos revoltosos e os leais a Khadafi fugiram. Inicia-se o movimento rebelde armado contra o governo (20 de fevereiro), onde os manifestantes se apoderaram de arsenais deixados pelos fugitivos leais a Trípoli.
Em poucos várias cidades, na parte ocidental do país, também foram aderindo ou sendo conquistadas pelos rebeldes, que se aproximavam cada veis mais à capital. Na escalada de violências, vários embaixadores e líderes líbios começaram a deixar seus cargos e denunciar o massacre contra seus compatriotas. Dentre as várias denúncias, constam as que revelavam a participação de soldados mercenários que atuavam contra o povo líbio, contratados pelo próprio governo, o que indignou a opinião pública, tanto líbia como a internacional.
O governo, na intenção de frear o avanço rebelde para à capital, lançou vários ataques ferozes contra cidades e posições rebeldes. A maioria das nações do mundo se opuseram ao governo líbio e suas ações contra a população, embora alguns países latino-americanos tenham manifestado apoio a Khadafi, e foram criticados por isso. Países europeus e os EUA impuseram sanções contra a Líbia. A ONU aprovou uma resolução que congelava o patrimônio de Khadafi no exterior e o Tribunal Penal Internacional recebeu um pedido de mandado de captura e prisão para o ditador líbio, por graves violações contra os Direitos Humanos e crimes de Guerra.
A situação na Líbia chegou a um ponto tal, que o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1973, de 17 de março, que demandava do governo líbio o imediato cessar-fogo, a criação de uma Zona de Exclusão Aérea sobre a Líbia, e a proteção dos civis por meio de todas as ações militares possíveis, menos a ocupação direta do território líbio por forças extrangeiras. A França iniciou os ataques aéreos e submarinos lançaram mísseis contra alvos estratégicos das forças pró-Khadafi.
Em 21 de agosto, os rebeldes iniciaram a invasão da capital, Trípoli. Três filhos de Khadafi foram capturados, mas fugiram posteriormente. No dia 23 de agosto, os rebeldes tomam o QG de Khadafi, e o enviado da ONU à Líbia reporta que o país estava nas mãos dos insurgentes. Por fim, em 28 de agosto, toda a cidade cai nas mãos dos rebeldes. A família de Khadafi foge para a Argélia e recebe proteção do governo vizinho. Contudo, a localização do ditador é incerta, mas que os rebeldes e as forças da OTAN tivessem informações de que Khadafi havia se dirigido para a cidade de Sirte, onde nasceu e onde os rebeldes ainda não haviam chegado. O Conselho Nacional de Transição, o orgão representativo dos rebeldes, transferiu sua administração e base de operações para Trípoli e iniciou as mobilizações para tomar todo o país. Os rebeldes avançam no noroeste do país, e derrotam os últimos bastiões oficialistas. Sirte cai em 20 de outubro de 2011, e logo em seguida, chegam as notícias de que o ex-ditador, Muammar Khadafi havia sido capturado e morto, pondo fim a guerra.
Este breve apanhado histórico sobre a revolta e derrubada do governo na Líbia soma-se ao vários outros episódios ocorridos na já conhecida "Primavera Árabe". As circunstâncias da morte de Khadafi ainda são incertas, mas oficialmente ele morreu após receber um tiro na cabeça, depois de ter sido capturado, o que transparece ter havido uma execução sumária.
A morte de Khadafi mostrou ao mundo o quão frágil são os governos e ditaduras no Oriente Médio e no Norte da África. Até o presente momento, as manifestações e revoltas populares no Mundo Árabe já produziram a queda de três ditadores: Ben Ali da Tunísia, que fugiu para a Arábia Saudita em 14 de janeiro, na sequência dos eventos da Revolução de Jasmim; Hosni Mubarak do Egito, que renunciou em 11 de fevereiro, após 18 dias de protestos; e por fim Muammar Khadafi (quem diria?!?!?!?!), morto em 20 de outubro, durante a Queda de Sirte. Durante estes eventos, vários outros ditadores e líderes de nações árabes anunciaram sua intenção de renunciar, promover reformas políticas, ou não se candidatarem a novas eleições. Ali Abdullah Saleh não vai concorrer as eleições de 2013 para a presidência do Iêmen. O presidente do Sudão também desistiu de 2015, e o primeiro-ministro iraquiano também desistiu dos pleitos de 2014.
Mas como dito no meu artigo anterior, Allahu Akbar: e a troca do seis pelo meia dúzia, ao contrário do que se pode aceitar estes fatos como movimentos políticos de massa, com cunho democrático e láico, na verdade pode ser o início de novas ditaduras e governos teocráticos, sob o tacão do islamismo fundamentalista. Embora as motivações sejam sociais, fruto dos desmandos e descasos dos governos com relação aos seus cidadãos, causando miséria e parcas condições de vida e sobrevivência, tais derrubadadas e protestos abrem hiatos políticos onde os partidos e facções muçulmanas extremistas podem oferecer uma resposta para anseios populares. Que perigo!
E não é novidade que a Irmandade Muçulmana vem ganhando força e adeptos com o discurso: "A solução é o Islã". Uma organização religiosa fundamentalista, a Irmandade Muçulmana se opõe a toda tendência secularista, o islamismo moderado, o sufismo, o Ocidente e se empenhando na propagação da fé muçulmana pela Jihad, não deixa dúvidas de que tem, e outros grupos similares também, o interesse em ocupar o nicho deixado pelas ditaduras que, por anos, ocuparam os governos destes países.
No Egito, instaurou-se uma Junta Militar no poder que, após o fechar o Parlamento, anunciou que irá realizar eleições em novembro deste ano. Será? E se isso acontecer, que partigo ou grupo político ganhará as eleições? Temo que esta onda de "democracia" no Egito tenha vida muito curta. Na Tunísia, o governo é instável e o país depende de um novo referendo para constituir um governo legítimo, o que deixa a situação muito semelhante a do Egito.
Na Líbia, o Conselho Nacional de Transição, parece ser composto apenas por opositores políticos, mas quando for necessária a realização de pleitos para a escolha de legítimos representantes do povo, que postura o CNT irá tomar? Será a via democrática ou se tornará um novo poder absoluto, a pretexto da manutenção das "liberdades" adquiridas com a morte de Khadafi? Fica a questão.
Obviamente, um recado está sendo dado aos demais países árabes e nações islâmicas: Seus regimes e ditadores estão sendo vigiados pela população, e a partir de agora, sob ameaça de deposição e até morte, se apertarem demais o punho. Possivelmente os próximos a reagir com mais violência sejam os sírios, ou quem sabe os iemenitas, pois tanto o presidente sírio, Bashar al-Assad, quanto Ali Abdullah Saleh, do Iêmen, estão com a corda no pescoço, se não atendenderem os desejos de número crescente de manifestantes.
Em prol da democracia, o exemplo de Khadafi pode servir de inspiração para uma escalada de terror contra chefes-de-governo e chefes-de-estado, embora isto ainda seja algo distante de acontecer, apesar de possível. Mas não se deve ignorar que o atual estado de coisas no Oriente Médio e Norte da África possa abrir caminho para ação mais facilitada de extremistas, dos quais podemos esperar alguma ação mais perigosa.
Eu não me empolgaria demais com tais movimentos sociais, pois isso não soa nem um pouco um surto de estilos de governo típicos de democracias ocidentais. É cultural, praticamente, no mundo islâmico, governos absolutos e regimes fortes. Até o Bahrein, que é o estado mais "democrático" do Mundo Árabe, passou pela maré de protestos (os barenitas exigem uma monarquia constitucional parlamentar, igualdade entre xiitas e sunitas e liberdades democráticas).
E neste turbilhão de revoluções, o mais idiota da história tem sido a imprensa internacional, que teima em fingir entender o contexto oriental, e aplaude e exalta as novas vindas do leste como se fossem previsões de futuros governos mais dedicados aos Direitos Humanos e menos inclinados a promover o terror o Ocidente, principalmente contra seu histórico inimigo, Israel. Na mesma esteira de ignorância, vem os políticos, principalmente os da América Latina, que deliram com a idéia de que o diálogo e a boa convivência podem ser políticas facilmente aceitas por nações historicamente valentes e dadas ao conflito armado (o PT que o diga).
Agora, devemos apenas esperar e ver que final se dará na Primavera Árabe, e desejar o melhor. Nunca o pior. O pior sempre foi uma constante, mas o melhor, por mais ilusório que seja, ainda pode realidade, como um feixe de luz solar, passando por entre as nuvens de tempestade sobre os filhos de Ismael.
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